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domingo, 22 de abril de 2012

Umas Luzes


Ok, imaginem que é escuro e estão em casa ou no trabalho. Nisto, vai-se a luz. Vai-se, assim sem explicação, sem nada que dispara, assim… primeira reacção? Preocupação, irritação, chatice, procurar vela/lanterna/telemóvel, ligar pra companhia electricidade (“que isto é uma vergonha”)… pois é…. A luz! Algo tão básico e garantido para o “ocidental”, aqui é um recurso precioso - parcimonioso até- que, juntamente com outras coisas que consideramos naturalmente adquiridas como a água e a gasolina, faltam constantemente e em horários absurdos durante o dia. Aqui o mapa dos cortes de electricidade semanal:


Então, isto significa que: se por exemplo trabalhas com PC num escritório que dependa só da eletricidade estatal, na 2ªfeira só podes trabalhar entre as 11h e as 15h durante o dia, o multibanco só funciona nessas horas, a comida que tens no frigo tens que a consumir logo, ou então tens mesmo que comprar um gerador poluidor/ruidor. Conseguem imaginar a dificuldade de 30 milhões de pessoas que estão afunilados entre os desenvolvimentos fenomenais da China e da India e que tentam recomeçar eles também, mas sem energia?E esta é a plataforma para qualquer coisa, aliada às chuvas a partir das 4 da tarde que impossibilitam obras e deslocações…. Portanto, a vida nepalesa rege-se pelo deus Sol que ás 6 obriga a levantar antes que o galo se aperceba e ás 18h40 manda abruptamente regressar a casa.
A vocês então “umas luzes” sobre o quotidiano daqui:
Para melhor aproveitar a luz solar (e fugir ao calor paralisante), acordo todas as manhãs às 6h45 e tento terminar o pequeno-almoço um pouco antes que chegue o meu Guruji  por volta das 07h30. Quase todos os dias tenho 1 aula de nepalês diretamente no balcão em frente ao meu quarto. O meu professor de língua, Chetji (o nome é Chet mas o sufixo “ji” é adicionado em sinal de respeito – eu também sou Saraji), vem ter comigo e ensina-me o que preciso de saber sobre a língua/cultura num curso especialmente desenhado para ocidentais apelidado de “curso para ajudar a sobreviver no nepal”.
Nestas aulas aprendo que existem 3 tipos de linguagem segundo as 3 castas principais (alta, média e baixa) e que, por exemplo, para falar com a sua própria esposa ou sobre ela com os outros se usa sempre a linguagem baixa (que é a usada para castas baixas, animais, crianças com menos de 5 anos e coisas em geral). Portanto, quando digo que a minha mulher sabe cozinhar é o mesmo que estar a dizer que “a minha coisa” cozinha… A mulher por sua vez tem que falar com o marido, independentemente da casta, na forma alta; assim como os filhos para com os seus pais. Na linguagem para a casta baixa não existe plural (como se até ali na língua essas pessoas não fossem tantas, não pudessem valer como um grupo). Bujdina, bujdina (não entendo como pode estar assim tão enraizada esta separação entre as pessoas).  Enfim, já vou dizendo umas coisinhas, mas os nepaleses depois entusiasmam-se tanto que acham que já posso discutir a teoria da relatividade logo após a 2ªfrase que digo e eu já não percebo nada do que é pelas suas bocas divertidamente disparado á velocidade… da luz?!

Depois cada dia é diferente a partir daí…
Hoje por exemplo tive que adiar a aula de nepalês pois foi a celebração do Dia da Terra e a minha ONG aqui organizou uma projeção do filme “One day on earth” num cinema de Pokhara,  mas… ás 8 da manhã! 
Seria de esperar que não viria muita gente pois ontem quando andámos a distribuir os flyers com os convites para o filme nos iam dizendo que não podiam vir (os nepaleses adultos porque tinham que trabalhar logo a seguir e podiam perder algum negócio entretanto, os jovens iriam chegar tarde á escola, ou as mulheres só iam se os maridos fossem; ao passo que para os turistas era simplesmente demasiado cedo para ir ao cinema); contudo, após os primeiros 5 minutos de projeção em que apenas estavam tipo 30 pessoas, tudo parou. O cinema ficou ás escuras, expectante. Após o que pareceu uma eternidade para quem estava cheia de sono, as portas da sala abriram-se e entraram cerca de 300 homens fardados – policias! 
Público principal da sessão de cinema
Todos tinham visto os posters pela cidade e com o aval do superintendente colocaram-se em fila em frente ao cinema, pedindo que o filme parasse para poderem vir ver todos! Incrivel! Durante 90 minutos estiveram todos contentíssimos (e a tirar fotos ao ecrã!) ali sentados no cinema a ver o filme que foi feito a partir de 3000 horas de filmagens pelas pessoas de todo o mundo no dia 10.10.2010 – só mais um dia na terra. No final fiz-lhes uma mini-entrevista em meio nepalês-inglês e adoraram todos – principalmente as partes em que apareciam imagens do Nepal.


Equipa da Alternatives ONG
Últimas luzinhas:
Como o meu voluntariado segue o ritmo solar e elétrico, quase nunca estou no escritório e livremente organizo o possível para cumprir os objetivos sem raízes numa cadeira e num PC basilares.  Dherai raamro (em nepalês “muito fixe”) para mim que prefiro total autonomia nesta altura, assim posso tentar viver tudo mais descentralizadamente, ir curiosar nos cantos sem passeios, subir degraus imaginários nas colinas de Pokhara e Kathmandu e descobrir o que já sabia mas não me recordava…
Em breve espero conseguir levar-vos em palavras também pelas pequenas vilas de Pokhara, nasceres-do-sol nos Himalayas, retiros de meditação e filosofia budista,  o que se pensa e se faz… Nepalando.

2 comentários:

  1. Olá Sara!
    Grata pela sua partilha! Tive conhecimento do seu blog através do site da sua ONG o qual me foi apresentado num mail enviado pela sua ...Mãe.
    Desta vez :) sou professora de Inglês na Escola Gil Eanes em Lagos e como referi várias hipóteses de ' Gap Year' acabei por apresentar aos meus alunos de 11º ano a hipótese de um voluntariado e o seu blog. Espero que não se importe!
    Que desfrute de um bom Wesak!
    Abraço!

    Ana Beatriz Filipe

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  2. Uma delicia o teu "Carnet de voyage" Saraji...muitas descobertas interressantissimas sobre o longico Nepal.
    Apos ler o teu relatorio de Abril fiquei com muita curisosidade do que a ONG Alternatives trata e desejo te
    muita luz a caminho...Abraços

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