Mesmo que o sol nasça quente e opulente por entre as montanhas, da parte da tarde está a chover… todos os dias se vão aproximando mais e mais as nuvens carregadinhas de promessas monçónicas. Trovejam lampejam e… ás 3 da tarde em ponto… por entre ventos ciclónicos… chovem-se e dissolvem-se…até ao dia seguinte.
E estamos na pré-monção! Casamentos, portas, animais e
pessoas começam-se a reduzir, fechar, esconder e recolher. É a hora da
fertilidade da terra, da absorção das águas em contrações e expansões que se
transformarão em alimento para todos.
É
também o momento de muita agitação politica e social no Nepal…este mês em particular,
Maio, assinalou 3 semanas de greves gerais, totais blackouts de actividade
económica devido ao fecho forçado das lojas, restaurantes e supermercados, ao bloqueio
total das estradas por parte dos manifestantes de todos os quadrantes, pirâmides
e esferas sociais nepalesas. … uma confusão e dificuldade imensa para conseguir
fazer algo neste país! Tudo porque até dia 27 de Maio o texto da nova Constituição
deverá ficar pronto e ser aprovado pois só tal garantirá estabilidade no país
para se poderem “desenvolver” e prosperar atraindo investimento estrangeiro e
etcs que decorrem naturalmente daí…
Contudo, esta Constituição já vai sendo adiada há 4 anos e o
povo está a ficar sem esperança que os políticos se entendam. É de facto complicado
que todos concordem nos textos e direitos pois cada casta, grupo étnico e grupo
religioso quer ver espelhados os seus valores e princípios, reconhecimento da
sua importância e papel no país, assim como atribuição de direitos. Está muito difícil
especialmente a tentativa de divisão do país em regiões administrativas cuja
delimitação não reflecte sequer razões históricas ou culturais – é um
suceder-se de propostas que são altamente dissonantes com a da população… difícil
e complexo este processo, que está ainda longe de terminar e que vai atrasando
as ambições e sonhos dos nepaleses para o seu próprio país…
Neste contexto, o meu trabalho voluntário na ONG
Alternatives foi afectado em muitas formas… não só no transporte até ao
escritório (ou ia a pé durante 1 hora ou não havia possibilidade pois os
transportes estavam parados e os grevistas não permitiam a passagem de nenhum
veículo, sob pena de ser todo destruído “porque se queria passar era porque não
estava a fazer greve e se não estava a fazer greve não estava com eles, estava
contra e se estava contra não podia…. “ Exceptuavam-se desta imposição apenas
os autocarros turísticos de longo curso os quais podiam passar, pois os
turistas não tem nada a ver com isso – os nepaleses uniformemente não querem
estragar a imagem do país no estrangeiro, para além de que, segundo a sua
cultura, o estrangeiro é “Deus” e assim deverá ser tratado todo o tempo.
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Quando conseguia chegar á sede, por vezes não encontrava os
meus colegas (pois também eles faziam greves ou tinham festivais da sua etnia a
decorrer) ou chegava lá e havia cortes de eletricidade antes do horário
previsto… sempre dificuldades e imprevisibilidades! Apesar de tudo, um dos dias
consegui liderar uma sessão de empreendedorismo para jovens que provem de zonas
rurais remotas e tem dificuldades económicas. Estes jovens, entre 16 e 25 anos,
obtiveram uma bolsa que lhes foi atribuída pela Alternatives para poderem
estudar. São na sua maior parte raparigas, cujos pais se comprometeram a não
obrigar a casar até pelo menos 2 anos após o término dos seus estudos para que
possam criar o seu próprio trabalho até lá. São jovens que sonham em serem
professores e abrir escolas nas suas vilas para as crianças destinadas de outra
forma a trabalhar no campo somente, que sonham em abrir laboratórios de
análises onde nunca ninguém fez um único teste á sua saúde na vida e morrem se
saber do quê, que querem ser o médico da sua aldeia, o engenheiro, o homem e
mulher que mudam o destino das suas famílias que há gerações vive de
agricultura de subsistência à mercê total da natureza e desatinos políticos do
seu país.
Com este grupo de jovens bolseiros, realizei dinâmicas para
que se conhecessem melhor, criação de espirito de grupo, trabalho sobre a sua
imaginação e criatividade, para que se rendessem conta da sua força e
potencialidades, que não desistissem de prosseguir os seus sonhos, por mais
dificuldades que pudessem surgir… enfim, assim uma espécie de empowerment geral!
Transversal a estes trabalhos com os jovens esteve também a decorrer
a realização de dois vídeos, um promocional das actividades da Alternatives, de
modo a que se pudessem apresentar como ONG a “donors” mais facilmente e assim
obter mais financiamentos para projectos e iniciativas. Vejam aqui o que
é a Alternatives no vídeo que eu fiz para eles…
(nem vos conto como foi impossível filmar sem os barulhos
constantes de obras, marteladas de sabe-se-lá o quê, buzinadelas, frases a
metade, repetições… mas no final estavam todos muito animados com as
filmagens!)
.... Mas como o vídeo não matou a rádio, um destes dias também estava
a subir as escadas do prédio da ONG e deparei-me com o director de uma rádio de
Pokhara, a Big FM que, após 2 minutos de conversa, já me estava convidar
para uma entrevista na rádio dali a pouco. E pronto! Assim do nada lá entro nos
estúdios e durante 1 hora falei sobre o trabalho da Alternatives, diferenças
culturais e até me fizeram cantar uma canção – em directo! ……… Não deixo de me
surpreender com a facilidade com que estas coisas acontecem por aqui, sem
cunhas, sem necessidade de alguma outra coisa que não seja a empatia, um “feeling”
e seguimento do fluxo que simplesmente te coloca no lugar, momento e com pessoa
certa. Assim! Aqui parece-me mais fácil acreditar no quanto é miraculoso estar
vivo! E como estamos todos tão ligados entre nós que não podemos não ser todos
da mesma fonte, divina! Divinal!
E por hoje deixo-vos com estas imagens e sons…
vídeo, rádio e fotos....
Está a chover novamente, é tempo do recolher, fechar, deitar, aninhar e descansar.
Suvaratri (Boa noite)
Bauli bhetola!(Até amanhã)
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