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sexta-feira, 23 de março de 2012

Regresso! E novo inicio...

Regresso! E novo início…

Tão dificil esta coisa de voltar a escrever num espaço já conhecido, num outro tempo, idade, visão ...

"rodam-se as rodas do karma, da almejável moksha e mergulhamos no... anicha!"

Acolhendo-me novamente, ei-lo, o Nepal!
(Dados oficiais muito rapidamente para quem não sabe: país asiático pequenito ali metido e “enfronteiriçado” no meio dos gigantes India e China onde vivem cerca de 30 milhões de habitantes - nepaleses, indianos e tibetanos principalmente juntamente com uma série de ocidentais com vistos de turismo renováveis ad eternum - uma taxa de alfabetização de 48% com pouquissimas escolas e ainda menos profs e médicos per capita do que em aldeolas perdidas portuguesas, mas que neste momento é, muito orgulhosamente e desde 2008, uma república parlamentar. Para mais infos e estatísticas oficiais basta consultar o mestre Google ;)


Mais certo é que aqui e agora agora mesmo mesmo e neste preciso instante encontro o corpo sentado num tapete em Kathmandu, a cidade capital que me irá reter por alguns dias enquanto não regresso a Pokhara. Hoje também, segundo a última pesquisa cientificamente perguntada a mais de um/a habitante, o meu nome, Sara, significa “ajuda”:) … lá está a velha máxima, mudam-se os tempos… e aqui muda-se mesmo tudo e mais alguma coisa. Estes nepaleses que não uniformizam dicionários de transmissão oral e me dão significados e aparências a eles consoante a ruguinha a mais no canto do olho, a tikha vermelha na testa e o resquício de puja improvisada por mãos de sacerdotisa aos pés de um Ganesh laranja.”Seems just like nepalese ma’am!... where from?”

- “Bem, from Lisboa nos últimos 3 anos de trabalho; from India a ser viajada em formas de voluntariados/estágios e outras vivências atípicas; from Florença de trabalhos mil e estudos especializados ; from Genova erásmica de Erasmus aquele sintético da EU; from Lagos lá no sul, aquele cantinho de final de linha de comboio onde sempre se volta porque não se pode navegar por aí sem as quentes ondas do oceano familiar… from por aí e mais além que não se sabe bem porque ainda não se chegou lá.” Respondo assim mas acho que não se percebe muito bem porque depois perguntam-me outra vez: “which country?”.

Países países… agora só já uma cidade de cada vez. Catmandu (em aportuguesado que fica bem). Nesta cidade estou-me a viver na moldura pouco quadrada de um programa comunitário intitulado S.V.E. Tenho um projecto aprovado para 6 meses de voluntariado a começar em Pokhara, com algumas viagens pelo resto do país, com financiamento da Sra. União Europeia. Já lá vão alguns dias desde o inicio desta nova experiência e tenho muito para partilhar…. e em vários formatos (há fotos, vídeos, pensamentos capturados em palavras que ainda não escrevi…). Mas por hoje, e só por hoje, deixo-me e -vos assim, que não é por mal, mas a eletricidade irá acabar daqui a 10 minutos! E depois toda a noite não haverá mais até de manhã, é assim, nada a fazer, o “loadshering” diário é para todos. Aqui a energia é mesmo preciosa e a noite é para ser dormida, ou pelo menos, o escuro é para ser vivido nas suas várias tonalidades. Boa noite e phir milengue (até já)*


quinta-feira, 22 de março de 2012

Estive no Nepal há 4 anos atrás,Verão de 2008.

Estive no Nepal há 4 anos atrás, no Verão de 2008. Foram 2 meses rápidos e intensos, viajados sob capas várias de viajante ora turisticas ora fluxo-deambulantes. Agora estou cá de novo, num regresso esperado e programado que segue os seus próprios ritmos. Neste espaço entrego o que será experienciado na actualidade de 2012, mas não posso esquecer o que foi vivido antes….

A primeira vez foi assim:

"O meu nome abre portas. Sara. Ao que parece tenho um nome cristão, judeu, muçulmano e por aí afora...Nasci numa cidade de descobridores e, talvez sob o signo desta combinação também jupiteriana, tenha sempre que ir além oceano, ver o que là està, que tesouros e tiranias existem pra là daquele cabo e depois daquele outro e depois do outro...

Hoje estou no Nepal, onde o meu nome significa “mundo”. Passaram-se 4 meses e meio desde que embarquei na nau voadora dos amigos/inimigos ingleses e desembarquei na India, que me foi empurrando um pouco mais para cima, asiáticamente primeiro para oriente depois mais para cima, para o lado, outra vila que não tá no mapa, um autocarro local com chinfrineiras mil, um rickshaw, umas rupias, mais um carimbo no passaporte e eis-me por aqui agora, Nepal.
 De alguma forma nestes meses em que carrego o PC ás costas, perdi o hábito de escrever no papel. O pulso, outrora rapido e expedito nestes movimentos de desenhar letras, agora sofre “estimulos de tic tiques” ora fortes ora lentos, de um mouse ou de um teclado. E assim ticteio e ticteio-vos uma vez mais sobre o que me está em torno: Kathmandu.
Uma cidade. Uma capital. Estou hà quase um mês nesta cidade que não é nada de especial, a nao ser tratar-se da capital de um pais sanduiche indo-chines que se apresenta muito timida em termos de fabricas e construções em altura, talvez acocorada por nuvens de chuva e poluição. Parece-me te-la vivido intensamente nesta torrencialidade imprevisivel dos monções, no calor e no vento, a subir e descer montanhas, envolta por um smog que mais me parecia uma neblina feiticeira de humores – no adensar ou no desfazer dos vapores, ora se detesta o que se vê, ora se adora, ora simplesmente nao se consegue ver....


O meu cenário mais próximo: Thamel, uma àrea comercial/turistica gigante, à medida do gosto e organizaçao ocidental meio fricalhoco. Saltando-se a compra de instrumentos de cordas e sopro que desfilam desafinados à frente dos olhos, fazendo uma finta às facas kurkuri oferecidas à altura do estomago, a mao com o tique do nao para as ofertas de “trecking rafting” e um acenar continuo e negativo ao bàlsamo de tigre que sò custa 1 dolar e é bom pra tudo, e hà ainda que nos desviarmos do sexo oposto cujas maos insistem em tocar-nos – uff!é um exercicio constante caminhar nas ruas de Thamel, onde hà de tudo à disposiçao... Alguns vendedores parecem realmente dispor de um leque de possibilidades infinitas – se quero, posso obter todas as drogas existentes e ainda por inventar, crianças posso também “adoptar”, ter homens e mulheres para fazer amizade, carros, motas; posso ainda comprar casas, coisas, animais em extinçao, entrar em locais proibidos (tipo Tibet, Mustang...), fazer o que ninguém pode fazer, só tenho que ter vontade e contratar o preço...impressionante...ali, numa só rua, a qualquer momento do dia, hà gente que me pode proporcionar tudo o que de mais ilicito me posso lembrar...
Bem, assim a bem da verdade verdadeira, ali no meio das casas e casinhas de arquitectura newar, o que é certo é que uma vez servi-me dos serviços de um desses senhores...mas foi no meio de um diluvio – e pra comprar um chapéu-de-chuva!!!(que pena k ainda ninguem se lembrou de contratar esta gente pra trabalhar na produçao de filmes– sao fantasticos em arranjar o impossivel em 5 minutos!eu pude até escolher a cor do chapéu!! Mas aqui, na Kholywood nepalesa – chama-se mm assim – sò fazem filmes de pancadaria com os ditos facalhões kurkuri cheios de sangue ketchupado ou dramalhões românticos de qualidade “Arlequina”.
Na mesma onda é o cenàrio politico e o mood geral da populaçao. Um optimismo romântico tanto quanto o céu é impermanentemente azul e um dramalhão aquando de um eclipse lunar parcial que coincidiu ali assim com umas inundações de um terço da parte baixa do pais, matando uma data de gente, deslocando-as, criando doenças e impedindo simplesmente as trocas comerciais de todo o lado este do pais agora isolado....

Saio de Thamel e entro na parte velha da cidade, Paknajol.
Antes de chegar à praça principal, encontro filas e filas de pessoas sentadas com bidons de plastico, à espera de dai a umas horas conseguir obter 3 litros de combustivel e kerosene para as suas necessidades primarias...estao todos contentes com o novo governo mas nao compreendem esta talvez incompetencia em arranjar energia suficiente para o pais, espantam-se com o rompimento da tradiçao de irmandade com a India a favor da China, que deverà ser o parceiro comercial preferido doravante (até agora a India era a parceira de 80% das trocas comerciais) mas apoiam as novas politicas de igualdade de género e de maior representatividade das castas mais baixas na vida politica e renderam-se em adoraçoes de massa ao pagamento de taxas (desde que estao no poder, os maoistas instituiram uma taxa de serviço, a acrescentar ao IVA, de 10%, em todos os restaurantes, guesthouses, tudo ligado ao turismo, e eles agora adoram cobrar 23% sobre tudo).


Chego finalmente à praça principal, Durbar Square.

Os olhos enchem-se de castanho e outras cores terra alternadas por pontinhos coloridos de frutas frescas e legumes espalhados em montinhos privados nas escadas dos templos hindus. Cheiram-se especiarias, encontram-se pedrinhas magicas que lavam a cara, o corpo e a alma. Depois é pegar num chà com leite e mais uns pozinhos secretos e leva-lo devagarinho degrau acima até bem ao alto do templo principal, o Templo Bhagwati, e observar-me a observar a vida là em baixo: os senhores queimados pelo sol que transportam na cabeça pesadas impossibilidades (frigorificos, sofas mastodonticos, e etcs) que dao prioridade aos rickshaws pedalados cuja bozina é sempre um frasco de gel duche importado( o som é o de uma boneca cor-de-rosa esborrachada por um puto irritante, mas tem a sua funçao utilitaria), e a gente e mais gente que se cruza e se toca...
Aqui sentadita converso com nepaleses jovens que vem de outras cidades à procura de trabalho na capital mas perdem a tarde toda a falar comigo e a beber chà, mais preocupados em perceber como é que podem emigrar para a europa; algumas crianças e babas falsos vem pedir dinheiro, um louco tenta roubar-me o chà; noutro dia faço amigos viajantes ocidentais e daquele ponto no alto tentam ensinar-me a “arte do viajar sò pelo viajar”...veem-me muito ocupada em actividades e nao a desfrutar simplesmente da viagem em si, sem ter que fazer algo que explique o porque, que conforte os outros, que me de algo mais para quando voltar, que explique o tempo e o dinheiro gastos. Que explique o porque de ir para longe viver no longe e diferente...

‘E no entanto este continuar a sentir uma insatisfação...e ser sempre confrontada com este fazer versus ser. Custa-me a ideia de nao fazer absolutamente nada de util e simplesmente ser...e entao continuo na estrada do fazer, do produzir algo...mas que raio, esta crise do “ser” persegue-me! Ser tranquila, ser confiante, ser paz e apaziguadora, ser contente, ser feliz e sò por se-lo jà estar a fazer muito....( é um meu debate ao nivel dos assuntos internos...)
 Volto para o quarto. Nas pensoes hà roof tops (cantinhos arranjados no telhado) de onde se conseguem ver as montanhas, a Swayambu stupa ou Templo dos Macacos (de onde grandes olhos do Buda semi-cerrados tudo veem, metade no interior, metade no exterior, e assim sabem tudo...) e onde se proporcionam soirées de encontros de viajantes e turistas ocidentais com nepaleses do staff muitas vezes sob o feitiço dos charros infinitos sempre disponiveis...nestes momentos ouvem-se historias de assaltos na primeira pessoa, historias de paranoias, de drogas e experiencias, de voluntariados a ensinar ingles ou qq outra coisa às crianças das vilas ali a 1 hora da capital (onde nao tem professores), de negocios lucrativos metade capital ocidental e metade nepales (é praticamente impossivel criar uma empresa em nome estrangeiro exclusivamente).

Experiências, pessoas e encontros. Muitos interessantes, com tempo para falar, para trocar-se a sua mensagem individual, para nos conhecermos e reconhecermos as mesmas irrequietudes, as dores e as procuras e assim aumentar a nossa ligação de pensamentos comuns.
Durmo e acordo. Passam-se dias e dias de festivais: no vale de Kathmandu o mês de Agosto vê celebrado o festival das vacas (em que nao há vacas, mas pessoas mascaradas de vacas), o dia do pai, o dia da mulher em que se faz a mesma coisa de todos os outros festivais – vende-se uma data de tretas religiosas para os rituais nos templos hindus e as mulheres todas vestidas com saris vermelhos e colares verdes fazem rodas de danças impossiveis de apreciar pois toda a gente está tão perto e tao imovel, que não se vê nada. E é toda esta humanidade que se move seguindo incensos e mais flores e mais um bindi colorido no meio da testa (que é para o deus que eu quiser ficar contente) e mais a doaçao ao templo – claro, nunca ir sem uma banana ou um pedaço de coco e umas rupiazitas! – e muito calor e muito empurrao, e muita produçao do mulherio maquilhado e mergulhado em joias...ficamos cheios de humanidade – ou desumanidade?”
(……….)

Sara, Agosto 2008