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quinta-feira, 22 de março de 2012

Estive no Nepal há 4 anos atrás,Verão de 2008.

Estive no Nepal há 4 anos atrás, no Verão de 2008. Foram 2 meses rápidos e intensos, viajados sob capas várias de viajante ora turisticas ora fluxo-deambulantes. Agora estou cá de novo, num regresso esperado e programado que segue os seus próprios ritmos. Neste espaço entrego o que será experienciado na actualidade de 2012, mas não posso esquecer o que foi vivido antes….

A primeira vez foi assim:

"O meu nome abre portas. Sara. Ao que parece tenho um nome cristão, judeu, muçulmano e por aí afora...Nasci numa cidade de descobridores e, talvez sob o signo desta combinação também jupiteriana, tenha sempre que ir além oceano, ver o que là està, que tesouros e tiranias existem pra là daquele cabo e depois daquele outro e depois do outro...

Hoje estou no Nepal, onde o meu nome significa “mundo”. Passaram-se 4 meses e meio desde que embarquei na nau voadora dos amigos/inimigos ingleses e desembarquei na India, que me foi empurrando um pouco mais para cima, asiáticamente primeiro para oriente depois mais para cima, para o lado, outra vila que não tá no mapa, um autocarro local com chinfrineiras mil, um rickshaw, umas rupias, mais um carimbo no passaporte e eis-me por aqui agora, Nepal.
 De alguma forma nestes meses em que carrego o PC ás costas, perdi o hábito de escrever no papel. O pulso, outrora rapido e expedito nestes movimentos de desenhar letras, agora sofre “estimulos de tic tiques” ora fortes ora lentos, de um mouse ou de um teclado. E assim ticteio e ticteio-vos uma vez mais sobre o que me está em torno: Kathmandu.
Uma cidade. Uma capital. Estou hà quase um mês nesta cidade que não é nada de especial, a nao ser tratar-se da capital de um pais sanduiche indo-chines que se apresenta muito timida em termos de fabricas e construções em altura, talvez acocorada por nuvens de chuva e poluição. Parece-me te-la vivido intensamente nesta torrencialidade imprevisivel dos monções, no calor e no vento, a subir e descer montanhas, envolta por um smog que mais me parecia uma neblina feiticeira de humores – no adensar ou no desfazer dos vapores, ora se detesta o que se vê, ora se adora, ora simplesmente nao se consegue ver....


O meu cenário mais próximo: Thamel, uma àrea comercial/turistica gigante, à medida do gosto e organizaçao ocidental meio fricalhoco. Saltando-se a compra de instrumentos de cordas e sopro que desfilam desafinados à frente dos olhos, fazendo uma finta às facas kurkuri oferecidas à altura do estomago, a mao com o tique do nao para as ofertas de “trecking rafting” e um acenar continuo e negativo ao bàlsamo de tigre que sò custa 1 dolar e é bom pra tudo, e hà ainda que nos desviarmos do sexo oposto cujas maos insistem em tocar-nos – uff!é um exercicio constante caminhar nas ruas de Thamel, onde hà de tudo à disposiçao... Alguns vendedores parecem realmente dispor de um leque de possibilidades infinitas – se quero, posso obter todas as drogas existentes e ainda por inventar, crianças posso também “adoptar”, ter homens e mulheres para fazer amizade, carros, motas; posso ainda comprar casas, coisas, animais em extinçao, entrar em locais proibidos (tipo Tibet, Mustang...), fazer o que ninguém pode fazer, só tenho que ter vontade e contratar o preço...impressionante...ali, numa só rua, a qualquer momento do dia, hà gente que me pode proporcionar tudo o que de mais ilicito me posso lembrar...
Bem, assim a bem da verdade verdadeira, ali no meio das casas e casinhas de arquitectura newar, o que é certo é que uma vez servi-me dos serviços de um desses senhores...mas foi no meio de um diluvio – e pra comprar um chapéu-de-chuva!!!(que pena k ainda ninguem se lembrou de contratar esta gente pra trabalhar na produçao de filmes– sao fantasticos em arranjar o impossivel em 5 minutos!eu pude até escolher a cor do chapéu!! Mas aqui, na Kholywood nepalesa – chama-se mm assim – sò fazem filmes de pancadaria com os ditos facalhões kurkuri cheios de sangue ketchupado ou dramalhões românticos de qualidade “Arlequina”.
Na mesma onda é o cenàrio politico e o mood geral da populaçao. Um optimismo romântico tanto quanto o céu é impermanentemente azul e um dramalhão aquando de um eclipse lunar parcial que coincidiu ali assim com umas inundações de um terço da parte baixa do pais, matando uma data de gente, deslocando-as, criando doenças e impedindo simplesmente as trocas comerciais de todo o lado este do pais agora isolado....

Saio de Thamel e entro na parte velha da cidade, Paknajol.
Antes de chegar à praça principal, encontro filas e filas de pessoas sentadas com bidons de plastico, à espera de dai a umas horas conseguir obter 3 litros de combustivel e kerosene para as suas necessidades primarias...estao todos contentes com o novo governo mas nao compreendem esta talvez incompetencia em arranjar energia suficiente para o pais, espantam-se com o rompimento da tradiçao de irmandade com a India a favor da China, que deverà ser o parceiro comercial preferido doravante (até agora a India era a parceira de 80% das trocas comerciais) mas apoiam as novas politicas de igualdade de género e de maior representatividade das castas mais baixas na vida politica e renderam-se em adoraçoes de massa ao pagamento de taxas (desde que estao no poder, os maoistas instituiram uma taxa de serviço, a acrescentar ao IVA, de 10%, em todos os restaurantes, guesthouses, tudo ligado ao turismo, e eles agora adoram cobrar 23% sobre tudo).


Chego finalmente à praça principal, Durbar Square.

Os olhos enchem-se de castanho e outras cores terra alternadas por pontinhos coloridos de frutas frescas e legumes espalhados em montinhos privados nas escadas dos templos hindus. Cheiram-se especiarias, encontram-se pedrinhas magicas que lavam a cara, o corpo e a alma. Depois é pegar num chà com leite e mais uns pozinhos secretos e leva-lo devagarinho degrau acima até bem ao alto do templo principal, o Templo Bhagwati, e observar-me a observar a vida là em baixo: os senhores queimados pelo sol que transportam na cabeça pesadas impossibilidades (frigorificos, sofas mastodonticos, e etcs) que dao prioridade aos rickshaws pedalados cuja bozina é sempre um frasco de gel duche importado( o som é o de uma boneca cor-de-rosa esborrachada por um puto irritante, mas tem a sua funçao utilitaria), e a gente e mais gente que se cruza e se toca...
Aqui sentadita converso com nepaleses jovens que vem de outras cidades à procura de trabalho na capital mas perdem a tarde toda a falar comigo e a beber chà, mais preocupados em perceber como é que podem emigrar para a europa; algumas crianças e babas falsos vem pedir dinheiro, um louco tenta roubar-me o chà; noutro dia faço amigos viajantes ocidentais e daquele ponto no alto tentam ensinar-me a “arte do viajar sò pelo viajar”...veem-me muito ocupada em actividades e nao a desfrutar simplesmente da viagem em si, sem ter que fazer algo que explique o porque, que conforte os outros, que me de algo mais para quando voltar, que explique o tempo e o dinheiro gastos. Que explique o porque de ir para longe viver no longe e diferente...

‘E no entanto este continuar a sentir uma insatisfação...e ser sempre confrontada com este fazer versus ser. Custa-me a ideia de nao fazer absolutamente nada de util e simplesmente ser...e entao continuo na estrada do fazer, do produzir algo...mas que raio, esta crise do “ser” persegue-me! Ser tranquila, ser confiante, ser paz e apaziguadora, ser contente, ser feliz e sò por se-lo jà estar a fazer muito....( é um meu debate ao nivel dos assuntos internos...)
 Volto para o quarto. Nas pensoes hà roof tops (cantinhos arranjados no telhado) de onde se conseguem ver as montanhas, a Swayambu stupa ou Templo dos Macacos (de onde grandes olhos do Buda semi-cerrados tudo veem, metade no interior, metade no exterior, e assim sabem tudo...) e onde se proporcionam soirées de encontros de viajantes e turistas ocidentais com nepaleses do staff muitas vezes sob o feitiço dos charros infinitos sempre disponiveis...nestes momentos ouvem-se historias de assaltos na primeira pessoa, historias de paranoias, de drogas e experiencias, de voluntariados a ensinar ingles ou qq outra coisa às crianças das vilas ali a 1 hora da capital (onde nao tem professores), de negocios lucrativos metade capital ocidental e metade nepales (é praticamente impossivel criar uma empresa em nome estrangeiro exclusivamente).

Experiências, pessoas e encontros. Muitos interessantes, com tempo para falar, para trocar-se a sua mensagem individual, para nos conhecermos e reconhecermos as mesmas irrequietudes, as dores e as procuras e assim aumentar a nossa ligação de pensamentos comuns.
Durmo e acordo. Passam-se dias e dias de festivais: no vale de Kathmandu o mês de Agosto vê celebrado o festival das vacas (em que nao há vacas, mas pessoas mascaradas de vacas), o dia do pai, o dia da mulher em que se faz a mesma coisa de todos os outros festivais – vende-se uma data de tretas religiosas para os rituais nos templos hindus e as mulheres todas vestidas com saris vermelhos e colares verdes fazem rodas de danças impossiveis de apreciar pois toda a gente está tão perto e tao imovel, que não se vê nada. E é toda esta humanidade que se move seguindo incensos e mais flores e mais um bindi colorido no meio da testa (que é para o deus que eu quiser ficar contente) e mais a doaçao ao templo – claro, nunca ir sem uma banana ou um pedaço de coco e umas rupiazitas! – e muito calor e muito empurrao, e muita produçao do mulherio maquilhado e mergulhado em joias...ficamos cheios de humanidade – ou desumanidade?”
(……….)

Sara, Agosto 2008

1 comentário:

  1. oi,muito massa seu relato, Uma pergunta, por favor : um turista pode comprar uma moto e conseguir algum tipo de documento dela e seu nome no Nepal ?

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